quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O Yoga na Gestação e no Parto - Relato de Parto de Célia Regina da Silva


O Yoga na Gestação e no Parto: a Maternidade como Caminho de Auto-Conhecimento

O Yoga Sutra de Patanjali diz que o yoga tem 8 ramos ou partes e Iyengar dispõe estas como partes de uma árvore. A árvore do yoga é formada por oito partes que estão organizadas da seguinte forma: os Yamas (não violência - ahimsa, veracidade - satya, não roubar - asteya, domínio da energia - bramacharya e desapego - aparigraha) como a raíz; os Nyamas (pureza - saucha, contentamento - santosha, esforço sobre si mesmo- tapas, auto-estudo - swadhiaya, entrega ao Absoluto – Iswara pranidhana) como o tronco; os Ásanas (ou posturas psicofisicas) são os galhos; os Pranayamas (expansão da energia vital através da respiração) como as folhas; Pratyahara (a introversão dos sentidos) como a casca; Dharana (concentração) como a seiva; Dhyana (meditação) como a flor e Samadhi (êxtase) como o fruto.

Podemos usar a eterna sabedoria do yoga em nossa vida diária, e colher o fruto desta árvore, é estar inteiro, no momento presente. Isso requer trabalho e disciplina, e vou me aventurar a contar minha vivência, em todas as partes desta árvore, a partir da minha experiência de parto.

Se queremos uma árvore frondosa e com frutos saborosos precisamos preparar a terra. No caso de receber um bebê, isso significou para mim me (re) ligar com a Mãe Terra ou ou Shakti, a energia feminina que permeia tudo o que é manifesto. Também chamada de kundalini shakti, é a energia simbolizada por uma serpente adormecida na base da coluna. Intuitivamente, comecei a me dedicar a práticas que não costumava, tais como plantar, cozinhar, esperar para colher, tomar banhos longos, contemplar a lua e observar suas transformações. Foi um processo de desaceleração e de substituição da conquistadora, aquela que vai buscar o que quer a todo custo, por aquela que recebe, que contempla, que espera, que tem paciência e que cuida. Reverenciando assim a Mãe Terra foi possível acionar a mãe que existia latente dentro de mim.

Sempre quis adotar, mas senti que precisava parir antes, pois Eu precisava passar pela experiência do parto, das transformações do corpo e mais tarde pela amamentação. Para ser mãe foi preciso aprender a receber e a ter paciência. Foi saber ouvir meu mais profundo desejo (ou instinto) ou intuição. Foi saber ouvir minha verdade (satya), quando tudo em mim queria um filho.

Eu intuí que precisaria me preparar por inteiro, com corpo, mente, emoções, espírito. Nunca me auto-estudei tanto!(swadhiaya).E o yoga foi fundamental neste processo justamente por trabalhar em todos os níveis (físico, energético, emocional, mental e espiritual) e por ajudar em minha (re) conexão com a mãe Terra. Conhecer sobre o processo do parto através dos livros do Leboyer e do grupo de gestantes também foi fundamental.

Através do auto-estudo, descobri que minha verdade pedia por uma gestação e nascimento respeitosos, tanto comigo quanto com meu bebê (ahimsa). Este bebê deveria ser recebido de forma natural, sem intervenções desnecessárias, cercado de amor e harmonia, na privacidade do lar. Nosso tempo deveria ser respeitado e nossa separação acontecer calmamente. Com tempo para ele se acostumar a respirar, ele nasceria e viria direto para meu colo, para ser acarinhado e alimentado. Era isso que vibrava dentro de mim, e fui abençoada por encontrar uma equipe cujo trabalho é exatamente este, o de ajudar mães a terem seu filho naturalmente, com respeito e segurança, mantendo com a mãe o poder do parto, lembrando, cultivando, apoiando a mãe no seu poder de parir.

Era meu direito ter um parto respeitoso e humano e também do bebê de nascer quando estivesse pronto e sem violência e eu não permiti que nada nos roubasse esse direito. Também não permiti que as obrigações cotidianas, no trabalho, roubasse meus momentos de descanso e conexão comigo e meu bebê (asteya). Todavia, precisei manter a noção de que meu desejo e trabalho não garantiriam que eu atingisse meus objetivos. Foi cultivando o desapego dos resultados de minhas ações (aparigraha) que permitiu que eu não caísse em depressão depois de tanto sonho e energia investidos, quando tive minha primeira gestação interrompida antes do segundo mês.

Mantive a limpeza do corpo e a pureza da mente, com a prática constante de yoga, meditação e entoação (ou audição) de mantras. Era comum tomar banho de banheira ouvindo mantras que invocavam a mãe divina. Tive a oportunidade de perceber minha capacidade de praticar santosha, o sentimento de estarmos contentes com o que temos, quando demorei 9 meses para engravidar, perdi meu bebê em 2 meses de gestação e depois demorei mais 9 meses para engravidar novamente. Permanecer feliz e grata à vida neste período de muita espera foi um desafio. Depois disto, foi mais fácil praticar santosha, pois o contentamento se tornou meu estado de espírito dominante. Tive desapontamentos profundos, mas que não abalaram meu contentamento, pois estava conectada com a maravilha de gestar um bebê.

Cultivei o auto-esforço (tapas) exercitando meu corpo com caminhadas e prática de yoga para mantê-lo saudável. Muita atenção à respiração e conexão com o mar e a lua. Da mesma forma, mantive durante toda a gestação uma alimentação equilibrada e saudável.

Eu fazia a minha parte, mas mantive a consciência de que o meu ideal de parto feliz (parto natural em casa) não dependia apenas de minhas ações. Eu fazia o melhor que podia mas sabia que isso não garantiria que meu objetivo fosse alcançado. E tive a oportunidade de provar a mim mesma o quanto estava praticando esta entrega ao Absoluto (Ishvara Pranidhana), quando fui orientada pela equipe a conhecer uma maternidade e me familiarizar com a idéia de ter meu filho fora de casa, pois estávamos próximos das 42 semanas de gestação sem sinais de trabalho de parto. Visitamos a maternidade abrindo espaço em meu coração para receber meu bebê fora de casa e de parto cesárea. 

Não importava mais, neste momento, como ou onde chegaria meu bebê, pois o que eu queria era tê-lo em meus braços. Nesse processo de longa espera perdi completamente o medo da dor, que se transformou em um desejo, porque era essa dor que traria meu bebê para mim. Eu desejei, com toda força, sentir as contrações que anteriormente me amedrontavam.

No fim do dia em que visitamos a maternidade, na última consulta domiciliar de pré-natal, lembro-me dos penetrantes olhos azuis da enfermeira ao me dizer que naquela noite eu entraria em trabalho de parto e no dia seguinte meu bebê nasceria. Fui para a cama tranquila, mas quase não consegui dormir de tantas vezes que tive que ir ao banheiro com a barriga dura de contrações indolores. Assim segui por toda a noite. Pela manhã eu estava em franco trabalho de parto e esperei meu marido e as enfermeiras com sentimento de calma, segurança.

Mergulhei na respiração ujjay (pranayama), a respiração vitoriosa, que por uma leve constricção da glote produz um som semelhante ao barulho do mar. O mar de Varuna (deidade hindu), a quem eu entoei mantras ao passear pela beira da praia todos os dias depois do almoço naquele mês. O mar com suas águas que aprendi a reverenciar para acessar a Mãe Divina presente em mim, e com suas ondas que iam e viam, como aconteceria com as contrações.

Essa respiração me colocava “além da dor”. Eu sentia a dor, mas não me identificava com ela, não combatia, não negava. Fiz amizade com a dor, me entreguei. Quando as dores se intensificaram, não havia mais condições de permanecer deitada. Foi aí que meu corpo pediu a posição (asana) de quatro apoios: de joelhos sobre a cama abracei um pufe à minha frente. Assim permaneci durante todo o trabalho de parto, respirando ujjay, com meu marido e as enfermeiras massageando minha lombar e minha testa, na região do ajna chacra, onde eu sentia uma enorme pressão e calor.

Quando me disseram que já estava com quase oito centímetros de dilatação eu já estava afastada dos meus sentidos (pratyahara). Entendi que estava quase com a dilatação máxima e tinha acabado de começar a sentir dor. O bebê estava próximo e já podia ser tocado no canal de parto.

Eu via, ouvia, sentia as dores, as massagens, o cheiro das águas da bolsa recém- rompida, mas estava tudo longe dali. Eu estava completamente conectada comigo mesma, com minhas contrações, minha respiração e meu bebê. Isso tudo era uma coisa só e meu único foco (dharana).

Eu fui para o lugar que as enfermeiras chamava Partolândia. Um lugar fora do tempo e do espaço e de puro silêncio (dhyana). Lá eu fui buscar meu bebê. Eu já tinha vislumbrado este lugar no fim das aulas de yoga, quando minha professora conduzia um relaxamento profundo no fim da prática e me levava com sua voz a um lugar calmo, tranqüilo, onde eu encontrava com uma velha sábia que morava dentro do meu coração, que fazia parte de mim e me ajudaria a parir e a criar meu filho. Já tinham me dito que a razão e os pensamentos nos afastavam deste lugar e que a única forma de chegar lá era praticando a entrega e a confiança nos ritmos da vida.

No período expulsivo, entrei na banheira com meu marido. Continuava na Partolândia, vendo, ouvindo e sentindo tudo que vinha de fora lá longe...O corpo pediu que eu ficasse de cócoras (malásana), e com os pés firmes no chão da banheira cheia d’água, movimentava meus quadris exatamente como tinha feito na meditação em movimento da aula de yoga no dia anterior.

A respiração (pranayama) também mudou de ujjay para uma respiração mais lenta e profunda, para garantir maior oxigenação e relaxamento. Lá longe me esforçava para ouvir uma das enfermeiras que olhava firme em meus olhos dizer: _ “Cheire uma flor e sopre uma vela”. Entre as contrações nos olhávamos, sorríamos e trocávamos algumas palavras. E a cada contração, meu filho estava mais perto de mim.

Daqui em diante, fica difícil traduzir em palavras o que aconteceu. Eu e o mundo nos tornamos um. Eu me senti uma com a força da vida (e é muita força!). Eu estava em Yoga, em samadhi, o êxtase espiritual, o apogeu, o ponto mais elevado atingido na senda decorrente de todos os esforços para alcançar a união com o Absoluto.

“No samadhi, os rios da inteligência e da consciência fluem juntos e se fundem no oceano da alma, e então, a alma brilha em toda a sua glória”. (Iyengar)

E foi isso que me aconteceu quando meu filho chegou.Todos esses passos foram e são muito importantes na vivência da maternidade, que apenas inicia com a gravidez e o parto.

Referência: IYENGAR, B.K.S. A Árvore do Yoga. São Paulo, Globo, 2001.


Célia Regina da Silva é mãe do Caetano, que nasceu de um lindo parto domiciliar planejado com a equipe Hanami em Florianópolis. É Professora de Yoga para mamães e bebês no Yogashala (Florianópolis) e também é idealizadora da Fralda Madrinha (slings, fraldas e absorventes de pano). Conheça mais sobre seu lindo trabalho em Fralda Madrinha e Yogashala.



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