O Yoga na Gestação e no Parto: a Maternidade como Caminho de
Auto-Conhecimento
O Yoga Sutra de Patanjali diz que o yoga tem 8 ramos ou partes e Iyengar
dispõe estas como partes de uma árvore. A árvore do yoga é formada por oito
partes que estão organizadas da seguinte forma: os Yamas (não violência - ahimsa,
veracidade - satya, não roubar - asteya, domínio da energia -
bramacharya e desapego - aparigraha) como a raíz; os Nyamas (pureza
- saucha, contentamento - santosha, esforço sobre si mesmo-
tapas, auto-estudo - swadhiaya, entrega ao Absoluto – Iswara
pranidhana) como o tronco; os Ásanas (ou posturas psicofisicas) são os
galhos; os Pranayamas (expansão da energia vital através da respiração) como as
folhas; Pratyahara (a introversão dos sentidos) como a casca; Dharana
(concentração) como a seiva; Dhyana (meditação) como a flor e Samadhi (êxtase)
como o fruto.
Podemos usar a eterna sabedoria do yoga em nossa vida diária, e colher o fruto desta árvore, é estar inteiro,
no momento presente. Isso requer trabalho e disciplina, e vou me aventurar
a contar minha vivência, em todas as partes desta árvore, a partir da minha
experiência de parto.
Se queremos uma árvore
frondosa e com frutos saborosos precisamos preparar a terra. No caso de receber
um bebê, isso significou para mim me (re) ligar com a Mãe Terra ou ou Shakti, a
energia feminina que permeia tudo o que é manifesto. Também chamada de
kundalini shakti, é a energia simbolizada por uma serpente adormecida na base
da coluna. Intuitivamente, comecei a me dedicar a práticas que não costumava,
tais como plantar, cozinhar, esperar para colher, tomar banhos longos,
contemplar a lua e observar suas transformações. Foi um processo de
desaceleração e de substituição da conquistadora, aquela que vai buscar o que
quer a todo custo, por aquela que recebe, que contempla, que espera, que tem
paciência e que cuida. Reverenciando assim a Mãe Terra foi possível acionar a
mãe que existia latente dentro de mim.
Sempre quis adotar, mas senti que precisava parir antes, pois Eu
precisava passar pela experiência do parto, das transformações do corpo e mais
tarde pela amamentação. Para ser mãe foi preciso aprender a receber e a ter
paciência. Foi saber ouvir meu mais profundo desejo (ou instinto) ou intuição.
Foi saber ouvir minha verdade (satya), quando tudo em mim queria um
filho.
Eu intuí que precisaria me preparar por inteiro, com corpo, mente,
emoções, espírito. Nunca me auto-estudei tanto!(swadhiaya).E o yoga foi fundamental neste processo
justamente por trabalhar em todos os níveis (físico, energético, emocional,
mental e espiritual) e por ajudar em minha (re) conexão com a mãe Terra.
Conhecer sobre o processo do parto através dos livros do Leboyer e do grupo de
gestantes também foi fundamental.
Através do auto-estudo, descobri que minha verdade pedia por uma
gestação e nascimento respeitosos, tanto comigo quanto com meu bebê (ahimsa).
Este bebê deveria ser recebido de forma natural, sem intervenções
desnecessárias, cercado de amor e harmonia, na privacidade do lar. Nosso tempo
deveria ser respeitado e nossa separação acontecer calmamente. Com tempo para
ele se acostumar a respirar, ele nasceria e viria direto para meu colo, para
ser acarinhado e alimentado. Era isso que vibrava dentro de mim, e fui abençoada por encontrar uma equipe cujo
trabalho é exatamente este, o de ajudar mães a terem seu filho naturalmente,
com respeito e segurança, mantendo com a mãe o poder do parto, lembrando,
cultivando, apoiando a mãe no seu poder de parir.
Era meu direito ter um parto respeitoso e humano e também do bebê de
nascer quando estivesse pronto e sem violência e eu não permiti que nada nos
roubasse esse direito. Também não permiti que as obrigações cotidianas, no
trabalho, roubasse meus momentos de descanso e conexão comigo e meu bebê (asteya).
Todavia, precisei manter a noção de que meu desejo e trabalho não garantiriam
que eu atingisse meus objetivos. Foi cultivando o desapego dos resultados de
minhas ações (aparigraha) que permitiu que eu não caísse em depressão
depois de tanto sonho e energia investidos, quando tive minha primeira gestação
interrompida antes do segundo mês.
Mantive a limpeza do corpo e a pureza da mente, com a prática constante
de yoga, meditação e entoação (ou audição) de mantras. Era comum tomar banho de
banheira ouvindo mantras que invocavam a mãe divina. Tive a oportunidade de
perceber minha capacidade de praticar santosha, o sentimento de estarmos
contentes com o que temos, quando demorei 9 meses para engravidar, perdi meu bebê
em 2 meses de gestação e depois demorei mais 9 meses para engravidar novamente.
Permanecer feliz e grata à vida neste período de muita espera foi um desafio.
Depois disto, foi mais fácil praticar santosha, pois o contentamento se tornou
meu estado de espírito dominante. Tive desapontamentos profundos, mas que não
abalaram meu contentamento, pois estava conectada com a maravilha de gestar um
bebê.
Cultivei o auto-esforço (tapas)
exercitando meu corpo com caminhadas e prática de yoga para mantê-lo saudável.
Muita atenção à respiração e conexão com o mar e a lua. Da mesma forma, mantive
durante toda a gestação uma alimentação equilibrada e saudável.
Eu fazia a minha parte, mas mantive a consciência de que o meu ideal de
parto feliz (parto natural em casa) não dependia apenas de minhas ações. Eu
fazia o melhor que podia mas sabia que isso não garantiria que meu objetivo
fosse alcançado. E tive a oportunidade de provar a mim mesma o quanto estava
praticando esta entrega ao Absoluto (Ishvara Pranidhana), quando fui orientada
pela equipe a conhecer uma maternidade e me familiarizar com a idéia de ter meu
filho fora de casa, pois estávamos próximos das 42 semanas de gestação sem
sinais de trabalho de parto. Visitamos a maternidade abrindo espaço em meu
coração para receber meu bebê fora de casa e de parto cesárea.
Não importava
mais, neste momento, como ou onde chegaria meu bebê, pois o que eu queria era
tê-lo em meus braços. Nesse processo de longa espera perdi completamente o medo
da dor, que se transformou em um desejo, porque era essa dor que traria meu
bebê para mim. Eu desejei, com toda força, sentir as contrações que
anteriormente me amedrontavam.
No fim do dia em que visitamos a maternidade, na última consulta
domiciliar de pré-natal, lembro-me dos penetrantes olhos azuis da enfermeira ao
me dizer que naquela noite eu entraria em trabalho de parto e no dia seguinte
meu bebê nasceria. Fui para a cama tranquila, mas quase não consegui dormir de
tantas vezes que tive que ir ao banheiro com a barriga dura de contrações
indolores. Assim segui por toda a noite. Pela manhã eu estava em franco
trabalho de parto e esperei meu marido e as enfermeiras com sentimento de
calma, segurança.
Mergulhei na respiração ujjay (pranayama), a respiração
vitoriosa, que por uma leve constricção da glote produz um som semelhante ao
barulho do mar. O mar de Varuna (deidade hindu), a quem eu entoei mantras ao
passear pela beira da praia todos os dias depois do almoço naquele mês. O mar
com suas águas que aprendi a reverenciar para acessar a Mãe Divina presente em
mim, e com suas ondas que iam e viam, como aconteceria com as contrações.
Essa respiração me colocava
“além da dor”. Eu sentia a dor, mas não me identificava com ela, não combatia,
não negava. Fiz amizade com a dor, me entreguei. Quando as dores se
intensificaram, não havia mais condições de permanecer deitada. Foi aí que meu
corpo pediu a posição (asana) de quatro apoios: de joelhos sobre a cama
abracei um pufe à minha frente. Assim permaneci durante todo o trabalho de
parto, respirando ujjay, com meu marido e as enfermeiras massageando
minha lombar e minha testa, na região do ajna chacra, onde eu sentia uma
enorme pressão e calor.
Quando me disseram que já estava com quase oito centímetros de dilatação
eu já estava afastada dos meus sentidos (pratyahara). Entendi que estava
quase com a dilatação máxima e tinha acabado de começar a sentir dor. O bebê
estava próximo e já podia ser tocado no canal de parto.
Eu via, ouvia, sentia as dores, as massagens, o cheiro das águas da
bolsa recém- rompida, mas estava tudo longe dali. Eu estava completamente
conectada comigo mesma, com minhas contrações, minha respiração e meu bebê.
Isso tudo era uma coisa só e meu único foco (dharana).
Eu fui para o lugar que as enfermeiras chamava Partolândia. Um lugar
fora do tempo e do espaço e de puro silêncio (dhyana). Lá eu fui buscar
meu bebê. Eu já tinha vislumbrado este lugar no fim das aulas de yoga, quando
minha professora conduzia um relaxamento profundo no fim da prática e me levava
com sua voz a um lugar calmo, tranqüilo, onde eu encontrava com uma velha sábia
que morava dentro do meu coração, que fazia parte de mim e me ajudaria a parir
e a criar meu filho. Já tinham me dito que a razão e os pensamentos nos
afastavam deste lugar e que a única forma de chegar lá era praticando a entrega
e a confiança nos ritmos da vida.
No período expulsivo, entrei na banheira com meu marido. Continuava na
Partolândia, vendo, ouvindo e sentindo tudo que vinha de fora lá longe...O
corpo pediu que eu ficasse de cócoras (malásana), e com os pés firmes no chão
da banheira cheia d’água, movimentava meus quadris exatamente como tinha feito
na meditação em movimento da aula de yoga no dia anterior.
A respiração (pranayama) também mudou de ujjay para uma
respiração mais lenta e profunda, para garantir maior oxigenação e relaxamento.
Lá longe me esforçava para ouvir uma das enfermeiras que olhava firme em meus
olhos dizer: _ “Cheire uma flor e sopre uma vela”. Entre as contrações nos
olhávamos, sorríamos e trocávamos algumas palavras. E a cada contração, meu
filho estava mais perto de mim.
Daqui em diante, fica difícil traduzir em palavras o que aconteceu. Eu e
o mundo nos tornamos um. Eu me senti uma com a força da vida (e é muita
força!). Eu estava em Yoga, em samadhi, o êxtase espiritual, o apogeu, o
ponto mais elevado atingido na senda decorrente de todos os esforços para
alcançar a união com o Absoluto.
“No samadhi, os rios da inteligência e da consciência fluem juntos e se
fundem no oceano da alma, e então, a alma brilha em toda a sua glória”. (Iyengar)
E foi isso que me aconteceu quando meu filho chegou.Todos esses passos foram e são muito importantes na vivência da
maternidade, que apenas inicia com a gravidez e o parto.
Referência: IYENGAR, B.K.S. A Árvore do Yoga. São Paulo, Globo, 2001.
Célia Regina da Silva é mãe do Caetano, que nasceu de um lindo parto domiciliar planejado com a equipe Hanami em Florianópolis. É Professora de Yoga para mamães e bebês no Yogashala (Florianópolis) e também é idealizadora da Fralda Madrinha (slings, fraldas e absorventes de pano). Conheça mais sobre seu lindo trabalho em Fralda Madrinha e Yogashala.
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