Expectativa, medo, curiosidade, angústia, planejamentos…
toda mulher grávida vive um misto de sentimentos na esperança de que seu bebê
esteja saudável, que seja uma pessoa boa, um ser humano de bom coração, que
venha ao mundo de forma tranqüila, sem sofrimento.
Enquanto algumas mulheres, pensando na segurança do filho,
escolhem o parto no hospital, algumas escolhem cesáreas, pensando em si mesmas.
Entretanto, hoje muitas mães querem um parto mais humanizado e natural e
algumas têm optado pelo acompanhamento das parteiras tradicionais.
Aproveitando o Encontro
Nacional Parteiras Tradicionais: Inclusão e melhoria da qualidade da
assistência ao Parto Domiciliar no SUS, a IHU On-Line entrevistou, por
telefone, a enfermeira e parteira Paula Viana: “Uma vez, no interior do
Amazonas, conversei com uma médica e uma parteira. E a médica perguntou: ‘qual
é a diferença do meu atendimento para o seu?’. Desta forma, a parteira
respondeu: ‘a diferença é que você tem pressa e eu não’”, relatou.
Paula Viana é enfermeira-obstetra em Recife (PE), faz partos
domiciliares e coordena o Grupo Curumim, uma organização não governamental
feminista que desenvolve projetos de fortalecimento da cidadania das mulheres
em todas as fases de suas vidas.
IHU On-Line – Em que sentido a parteira é mais humana do que
o médico em relação ao parto?
Paula Viana – A parteira representa o elo entre a comunidade
e o Sistema Único de Saúde (SUS). Elas têm um trabalho de atenção integral à
saúde da mulher e da criança, pois acompanham toda a gravidez, conhecem a vida
das famílias, chamam-nas pelo nome e representam o mesmo nível social e
econômico dos clientes, o que aproxima ainda mais a parteira da mãe. Isso é
fundamental para o momento da gravidez, do parto e do pós-parto.
O parto não é só um evento médico, é um evento social e
familiar que tem a mulher como protagonista. Então a parteira tem essa capacidade
de interagir de forma mais humana, no sentido do pensamento mais holístico. Não
que não haja médicos que façam assistência desse tipo. Porém há uma distância
maior entre médicos e médicas e as mulheres das comunidades indígenas,
ribeirinhas, quilombo, floresta, onde estão as parteiras tradicionais. Elas têm
muito o que ensinar para nós.
Uma vez, no interior do Amazonas, conversei com uma médica e
uma parteira. E a médica perguntou: “qual é a diferença do meu atendimento para
o seu?”. Desta forma, a parteira respondeu: “a diferença é que você tem pressa
e eu não”. As parteiras não têm pressa mesmo, elas acompanham a mãe e isso
torna o parto mais humano.
IHU On-Line – Você pode descrever o panorama geral da
situação das parteiras tradicionais no mundo?
Paula Viana – Há um movimento internacional das parteiras,
que reúne parteiras de vários países da América do Sul, do Canadá, do México,
Europa. Esse movimento busca a valorização dessas trabalhadoras em saúde e
também respeito às suas tradições. A tecnologia, quando entrou na sala de
parto, veio para ajudar. Nós agradecemos porque existe a possibilidade da
cesárea para que possamos salvar vidas. No entanto, essa tecnologia afastou a
ideia do parto como um evento antropológico e social. A luta do movimento
internacional é para que a parteira seja vista como uma aliada. Ela tem que
ensinar ao sistema público de saúde, mas ela também tem que aprender.
IHU On-Line – Hoje, quando e como uma mulher se torna
parteira?
Paula Viana – Existem alguns tipos de parteiras: tem a
enfermeira-obstetra, que é uma parteira. Eu mesma sou uma enfermeira-obstetra,
uma parteira domiciliar. Existe a parteira que faz um curso técnico de três
anos que é treinada só para o parto normal e tem formações originais
diferentes. Já a parteira tradicional é aquela formada pela experiência.
Algumas dizem: “eu aprendi no susto”. Aqui no encontro há 26 parteiras
tradicionais e 34 enfermeiras e médicos. Essas 26 trazem relatos muito
interessantes quanto a sua formação. Uma disse que começou aos 12 anos de
idade. Ela foi chamada numa primeira ocasião, depois é chamada de novo e com
isso vão pegando experiência. A teoria é importante, a parte tecnológica da
obstetrícia é fundamental, mas o que conta mesmo é o conhecimento empírico. Um
dos intuitos desse encontro é dizer o quanto é importante que essas parteiras
tradicionais repassem seus conhecimentos às mais novas.
IHU On-Line – O que acontece quando um parto dá errado? A
quem a parteira pode recorrer?
Paula Viana – Esse encontro é a finalização de um processo
que dura dez anos. Ao longo desse período percebemos que as complicações não
acontecem porque a parteira está atendendo. Os problemas ocorrem porque não
existe um sistema de saúde apoiando. A parteira que faz parte dos cursos e
recebe material sobre cuidados tem a capacidade de acompanhar fatos que podem
complicar na hora do parto. Se a mulher faz um pré-natal de qualidade e a
parteira está próxima e ocorre algum problema, ela consegue diagnosticar
precocemente. Quando o município dá apoio, certamente dispõe de sistema de
transporte que possa levar em tempo a mulher e o bebê ao hospital. Hoje, a
mortalidade materna e neonatal não tem relação com o trabalho da parteira
tradicional,
IHU On-Line – Qual a sensação quando um parto dá errado?
Paula Viana – Ela se sente muito impotente. Muitas vezes as
parteiras, como falei antes, têm um nível econômico muito parecido com o da
mulher que está atendendo. Quantas e quantas parteiras que conheci colocam
dinheiro do próprio bolso para pagar uma gasolina, o aluguel de um carro para
levar a mulher a um hospital ou mesmo levá-la até a casa da grávida. Mas a
parteira tem limites. E esse encontro que estamos fazendo em Brasília serve,
justamente, para que o SUS, o Ministério da Saúde, os governo municipais e estaduais
incluam o trabalho da parteira tradicional nas suas políticas.
IHU On-Line – Como a parteira se prepara para ajudar a
mulher no momento do parto?
Paula Viana – Há tantas formas. Há uma diversidade enorme de
formações no Brasil. Assim, as mulheres se preparam no embate, no dia a dia, a
partir do seu conhecimento. Estados como Amazonas, Pernambuco, Paraíba, Acre,
Pará têm dado material para as parteiras. Assim, elas têm bolsa para carregar
seus materiais, recebem instruções para esterilização do material e acomodação
de equipamento. Elas se preparam na vida e aproveitando esses cursos e
encontros que estão sendo realizados.
IHU On-Line – Como foi o processo para tornar
responsabilidade do SUS o nascimento domiciliar assistido por parteira?
Paula Viana – Desde 1940 existem políticas que visam tornar
a parteira parte do sistema. Em 1991, foi escrito um Programa Nacional de
Parteiras Tradicionais e iniciou-se nos estados uma série de ações,
capacitações, cursos. Já a partir de 2000, que é o processo que estamos
finalizando agora, esse trabalho se voltou muito aos municípios, colocando para
eles suas responsabilidades. É preciso saber quem, lá na comunidade, gerencia a
saúde da população e o responsável é o município. Está presente aqui no
encontro uma representante do Conselho Nacional de Secretários Municipais.
Esse processo é lento. As parteiras reivindicam uma
remuneração pelo trabalho e até hoje pouquíssimos municípios tornaram isso
realidade. Poucos também forneceram material e as vincularam ao sistema de
saúde. Isso tudo faz parte da nossa luta. Nós sabemos que aos poucos vamos
superando as barreiras, um dos maiores é o corporativismo médico. As parteiras
não querem substituir ninguém, mas elas existem e precisam do apoio do SUS que
tem que dar conta tanto de UTIs neonatal de alta tecnologia quanto àquele parto
feito na beira do rio feito com luz de candeeiro. Esse é um direito básico
nosso como cidadãs brasileiras.
IHU On-Line – Por que está ficando mais forte hoje o retorno
às parteiras?
Paula Viana – Esse movimento também se deve às parteiras.
Elas sempre existiram. Porém, estão ganhando mais repercussão porque algumas
organizações do movimento feminista têm dado mais atenção à questão atualmente
uma vez que as parteiras representam um retorno ao parto normal e a valorização
do parto natural.
(Ecodebate, 19/08/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro
estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos -
IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
lindo blog!
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